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TIO FRANK – [Homofobia...]


Marcio Garrit - Psicanalista


Se existe uma coisa que, acredito, nunca terá fim, essa coisa é o preconceito. Existe algo na subjetividade humana que não permite a alteridade. Não permite o diferente. E não permite a paz! Tio Frank é um filme que fala da impossibilidade do outro em aceitar uma orientação sexual que não seja a heterossexual. É mais um filme, excelente, que retrata a homofobia, e para além disso, a miséria humana. Mesmo sendo mais um filme que, infelizmente demonstra a infelicidade atual que essa temática carrega, decidi escrever sobre ele porque suas cenas me incomodaram. e detão real que são, reforçam a possibilidade do fim do preconceito. Ou, como diria Freud, demonstram as pequenas diferenças.

Filme americano, um drama de 2020, dirigido por Alan Ball, o mesmo de Beleza americana (1999) e Tabu(2007) – belíssimos filmes, e atualmente está a disposição na plataforma Prime vídeo. Tio Frank retrata a história da família Bledsoe, interiorana de Creekville. Frank, interpretado por Paul Bettany, é o protagonista do longa que irá, de forma bem linear e ridiculamente real, demonstrar mais um caso de homofobia em família. Importante dizer que não é qualquer família, mas aquela família conservadora, que se diz apegada a cristo, bem de comercial de margarina, mas que no fundo, só Nelson Rodrigues sabe explicar o que acontece com ela ao apagar das luzes.

Frank, desde muito cedo, percebe que sua orientação sexual se dirige ao mesmo sexo. Apaixona-se por um amigo e em uma cena de namoro em seu quarto, seu pai, um homofóbico de carteirinha, o flagra. A partir daí, a vida de Frank vira um inferno, e palavras como: “Isso é uma doença, você vai virar um viadinho, Deus não permite isso, você sabe que vai para o inferno, você é um perverso, tenho desprezo por você, etc...” soam comumente da boca de seu pai. Como você acha que Frank ouve isso? Da mesma forma que a maioria das pessoas: pela via do trauma e da identificação ao agressor. Frank, traumatizado, fica desolado e desesperado, a angústia o invade, afinal, ele é doente e Deus vai levá-lo para o inferno.E, como uma última saída, lança mão de um dispositivo deveras paradoxal: a identificação ao agressor! Ou seja, diferente dele, o sujeito fica exposto e sofre, igual a ele, está protegido.

As cenas que se seguem, mostram um Frank amargo, desesperado, que termina com seu primeiro amor, repetindo as mesmas justificativas do pai. Momento perfeito para demonstrar como funciona essa tal identificação. Quantas vezes você se “pegou” ou “pegou” o outro agindo da mesma maneira que seu algoz? Pois é... bem vindo ao mundo real!Esse término infeliz, gera consequências irremediáveis pra Frank, que na primeira oportunidade vai pra longe de sua pequena cidade, com gente de mente pequena, assim como seu pai. Até que o pai de Frank morre, e o mesmo tem que voltar para as cerimonias finais. É nesse exato momento que Frank é invadido novamente por tudo aquilo que ele, a duras penas, tentou guardar no fundo da gaveta.

É importante pontuar, que o filme mostra, de forma bem estruturada, a dinâmica psíquica de Frank. O mesmo lança mão do álcool, dos estudos e do amor. Como diria Lacan, a sublimação é a melhor saída para o movimento destrutivo, pois eleva o objeto a dignidade de coisa. Frank dessexualiza o alvo e se torna um intelectual, professor universitário. O álcool é substituído pelo afeto negado através de seu marido, Wally. Mas, apesar de tudo, sempre há um “resto”. Frank não se assume. Guarda sua orientação como segredo junto ao pai. Apresenta falsas amigas como esposas a seus irmãos e até então, nunca tinha mostrado Wally pra ninguém. Vejam como é difícil destronar o pai! Esse é o momento que afiança a escolha da identificação ao agressor. Um paradoxo comum, difícil de digerir e que destroça inúmeras vidas. A homofobia estaria contida, também, aí? Eu acredito que sim!

O retorno de Frank é literalmente desastroso.Ele é remetido de forma grotesca ao seu passado não resolvido, não simbolizado. E retoma toda uma dinâmica de auto destruição. Afinal, o pai está entronado, suas ordens precisam ser obedecidas, e Frank é só um condenado por Deus, diga-se de passagem, o Deus dos ignorantes, pois para o exercício da não alteridade, do fortalecimento da diferença e do ódio, não precisa ser Deus. Acredito, que esse Deus violento, nada mais é do que o representante do “narcisismo de morte” de sujeitos assujeitados, assim como Frank foi. Esse assujeitamento, me lembra a teoria de André Green que defende que em algumas relações de objeto, o sujeito fixa na necessidade de se defender de algo intrusivo, sendo assim, seu movimento narcísico mostra-se negativo, ou seja, nos limites da morte e do vazio. Vazio este que não poderá ser ocupado por nada, apenas por ataques ao Eu e as construções de vínculos. É como se essa representação não permitisse que nada, além da própria pessoa pudesse ser suportado.

Freud, desde 1918, vinha estudando o que ele convencionou chamar de “Narcisismo das pequenas diferenças”. Tal conceito só fica melhor definido em 1930, no grande livro – O mal-estar da civilização. Nele, o psicanalista vienense, percebe que os maiores ódios nascem de pequenas diferenças. E isso se demonstra de forma clara até hoje. Há uma impossibilidade no sujeito de aceitar aquilo que não seja sua cópia. A humanidade não deixa de trilhar esse caminho há milênios. Os discursos contemporâneos, apesar de contemporâneos tem apenas uma nova roupagem do que é velho, fortalecem mais e mais essa dinâmica. É como se os sujeitos vivessem em uma eterna construção de Tânatos.

Admitir que cada um é singular e que todos os direitos devem ser respeitados. Que as minorias devem ser protegidas, vira mimimi para a sociedade atual. A violência se transforma no único recurso para solucionar a própria violência. Não à toa o desespero para aquisição de armas, como se fosse possível ter o falo. Isso demonstra apenas o fantasiar do ter e a evidência da frustração sexual.

Voltemos ao filme. Frank é convidado a participar da leitura do testamento. Nele, seu pai quebra o segredo e diz da pior forma possível que o filho é um perverso pelo qual ele tem muito desgosto. Imediatamente Frank lança mão do mesmo recurso de sempre: vou obedecer a meu pai! Faz isso se identificando com ele, agride seu marido e bebe até não poder mais.

O filme caminha e tem um final feliz, porém, esse final só é possível porque as pessoas que rodeiam Frank se permitem a sair do lugar, de só gostarem de suas cópias; por isso o aceitam. A impressão que isso me dá, é que o mundo, ou pelo menos o Brasil, ou até nosso estado ou bairro, precisaria se deitar no divã e cuidar de suas dinâmicas narcísicas. Haja análise viu.....




1 komentář


Raquel Gaspar
Raquel Gaspar
21. 1. 2021

Que texto fantástico, Márcio! Já coloquei o filme na minha lista. Ansiosa para assistir!

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